quarta-feira, março 30

O AVESSO DAS COISAS - Carlos Drummond de Andrade

Uma das frases mais conhecidas da sabedoria popular diz que
 "os melhores perfumes estão contidos nos menores frascos". 
A frase não está neste livro, que de certa maneira a corrobora. 
Um conjunto de máximas com aparência de mínimas, 
O Avesso das Coisas (obra inédita de Drummond) revela um poeta 
que tira do cotidiano não apenas o lírico mas também o curioso, 
o imprevisível, o insólito.
Com a mesma acuidade do poeta, o humorista ou filósofo 
Drummond mostra como "bater à porta errada costuma resultar 
em descoberta". Seu modo pessoal de ver as coisas pelo lado avesso 
resulta num livro delicioso, escrito à maneira de dicionários, 
com as definições mais improváveis e, por isso mesmo, mais verdadeiras.

Vejamos alguns exemplos:

ALMA — Prisioneira do corpo, a alma vive em guerra com o car-
cereiro.
BRASIL — O Brasil é um país novo que se imagina velho, e um
país velho que se supõe novo.
CARTA — Quem gosta de escrever cartas para jornais não deve
ter namorada.
DIABO — É cada vez mais difícil vender a alma ao Diabo, por
excesso de oferta.
ELEIÇÃO — Uma eleição é feita para corrigir o erro da eleição
anterior, mesmo que o agrave.
FELICIDADE — A felicidade tem um limite, a loucura.
GLÓRIA — A glória é um alimento que se dá a quem já não pode
saboreá-lo.
HOMEM — Somos humanos, isto é, achamos que somos.
PECADO — Há pecados elegantes e outros que aspiram a sê-lo.
REI — O rei nunca está nu no banho; cobre-se de adjetivos.
SOLIDÃO — A solidão gera inúmeros companheiros em nós mesmos.
TRADIÇÃO — A tradição é cultuada pelos que não sabem
renová-la.
UNANIMIDADE — A unanimidade comporta uma parcela de en-
tusiasmo, uma de conveniência e uma de desinformação.
VELHICE — A vida é breve, a velhice é longa.
VIDA — Viver não é nada; continuar vivendo é que constitui ato de bravura

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